LITERATURA Autora fala em Frankfurt sobre primeira obra infantil que está escrevendo, com felino como protagonista Lygia Fagundes Telles tira gato da sacola
CASSIANO ELEK MACHADO ENVIADO ESPECIAL A FRANKFURT
Uma dor de cabeça é a melhor lembrança que Lygia Fagundes Telles guarda da Feira de Livros de Frankfurt. Foi em 1994. O "zunzunzum" das conferências, homenagens e autógrafos deixou dores pontiagudas na cabeça da escritora. "Fui logo na "apotheke" (farmácia)", lembra. Assim começava a nascer o primeiro livro infanto-juvenil da autora de "As Meninas". "A aspirina veio em uma sacola estampada com um gatinho listrado de verde e amarelo. Fiquei apaixonada por ele", conta Lygia, que decidiu transformar o felino em protagonista de uma "história jovem". A maior estrela brasileira este ano em Frankfurt -que veio para a feira a convite da Biblioteca Nacional- antecipou para a Folha algumas características do novo personagem, que atende pelo nome de "Eu, o Gato" e deve estar nas livrarias no início de 2001, com o selo Rocco. Nessa entrevista, a titular da cadeira 16 da Academia Brasileira de Letras fala sobre gatos e cachorros e indica outro provável personagem de livro infantil. Apontando para o lenço de seda com desenho de ferraduras que trazia no pescoço, ela disse: "Gosto mesmo é de cavalos. Em outras encarnações, ou transmigrações, já fui um deles", completou com um inevitável sorriso de gato.
Folha - Como foi que a sra. decidiu fazer seu primeiro livro infanto-juvenil? Lygia Fagundes Telles - Foi uma historia de amor minha com esse gatinho. Ele era listrado de verde e amarelo, as cores de nossa bandeira, e tinha uma expressão tão deliciosamente encantadora que decidi que tinha de dividi-lo com os outros. Ele era matreiro e amoroso, malicioso e, ao mesmo tempo, inocente. No desenho, ele estava de pé, com as patas para trás, como uma criança que cometeu uma arte e pede desculpas. Pensei: essa vai ser minha primeira história infanto-juvenil. Eu nunca fiz nenhuma. Folha - A sra. ainda tem a sacola? Telles - Claro. Vou usar a ilustração dela na capa do livro. Ainda não terminei de escrever, mas é uma história de amor. Folha - Como vai chamar esse livro? Telles - "Eu, o Gato". Não sei se vai fazer sucesso. Os livros são questão de sorte. O escritor não sabe o que vai dar certo ou não. Meu pai era jogador. Ele apostava na roleta. Não ganhava muito, mas dizia: "Amanhã a gente ganha". Eu jogo com as palavras. Em "Invenção e Memória" (seu livro mais recente) eu não apostei tanto, mas recebi muitas fichas. Memória e invenção são uma coisa só. A memória invade ou é invadida pelo imaginário. Se você vai contar um fato, de repente percebe que está inventando. O homem é incapaz de viver sem a invenção. A invenção é a nossa salvação. Rima e é verdade. Folha - E como está sendo escrever para as crianças, que são tão inventivas? Telles - Estou fazendo com a maior facilidade. Eu gosto muito da invenção, do imaginário. Comecei a escrever quando criança, antes de saber escrever. Comecei contando histórias. Folha - Como se chama o gato, protagonista de seu livro infanto-juvenil? Telles - Ele é um gato estranho. Ele se sente ao mesmo tempo excluído e inserido. Ele conversa com outros animais, como o coelho e o macaco, mas sempre que lhe perguntam seu nome, ele diz: "Meu nome é gato". Folha - Ele é "arteiro" como o gato da sacola? Telles - Ele começa muito travesso, insubordinado, rebelde, porque ele se sente excluído. Depois ele fica legal. De certo modo, parece que o bem vence. Ele termina um gato boníssimo. Há uma certa selvageria no gato. O cachorro é menos selvagem, parecidíssimo com o ser humano. Os cães vão acabar falando que nem nós. O gato mantém a selvageria. Folha - Seu gato tem algum parentesco com o de "Alice no País das Maravilhas", aquele que fica sempre sorrindo? Telles - Não. O da Alice é, perto desse, muito bonzinho. Meu gato tem algumas malignidades. No começo da vida ele é até meio enfezado. Espere só pra ver. |